É na correria do dia, que meus pensamentos criam frases, poesias, textos... É quando acordo cedo, ou espero no ponto meu ônibus passar... É atravessando a rua, reparando nas gentes, nas mães que amamentam, nos beijos e silêncios de casais, na risada da criança, no idoso que ignorado, não consegue um motorista que cumpra sua função e pare o ônibus a fim de que faça uso de seus direitos.
Nos meus textos, ainda quando são apenas visitantes da minha imaginação, pontuo, exclamo, pergunto, dou pontos finais. Hoje minha poesia foi escrita nas linhas da memória, repleta de reticências...
...................
Comecei a escrever quando recebi a ligação do meu filho. Vinicius, era seu nome escrito no meu celular. "Mãe, acordei." "Tudo bem com você, meu filho?" "Tá, beijo, tchau."
Sou uma mãe apaixonada, e como muitas outras, não possuo receitas prontas. Meu adolescente vive suas fases, do abraço apertado que me enlaça, como quando o mantinha em meus braços, à cara séria, que quando mal chego perto, ele me pede pra sair.
Em um dia em que os conflitos maternos me atribulavam, minha amiga Neilda me disse para manter a calma, que ele estava no seu momento adolescente, que os hormônios borbulhavam, que os pensamentos se formavam, e o corpo conflitava entre a criança que se deixa e o adulto que se forma. Acalmei. Embora sempre soube disso, quando é no próprio coração que dói, acabamos por esquecer...
Foi andando pelas ruas do Caju, que voltei aos meus quatorze anos. Confesso ter me assustado com a mémoria aguçada, e com meu próprio pensamento: "parece que foi ontem...." lembro com detalhes de fatos, fotos, risos, choros, alegrias, desespero." Eu lembrando de forma tão recente a majestosa idade de vinte e um anos atrás , e vendo a do meu filho passar por mim, de um modo lindo, rápido, que se eu pudesse capturaria em milhares de prints.
Adolescentes preservam seu mundo, ou os apresenta a quem querem , inventam seus próprios tesouros, constroem seus castelos, escondem-se nele, projetam o futuro, inventam cortes de cabelo, vivem seus segundos como os únicos...
Eu lembrei, também fui assim.
................
Sempre escrevi, e meus cadernos escondiam minha alma. Nas entrelinhas, lia-se uma vida que parecia eterna, ou então um instante em que o mundo se evaporava.
.
Com quartorze anos me apaixonei pela primeira vez, e romântica redigia inúmeras poesias! Coração se transformava em uma escola de samba em desfile no Sambódromo, só de ver o amor passar. Outro dia minha mãe me lembrou em que uma tarde, joguei minhas poesias datilografadas pela janela da casa, em seguida as apanhei e na pia as queimei, banhando-as ao mesmo tempo em lágrimas. Enquanto escrevo, um sorriso me escapa, rindo comigo mesma da intensidade contida nos sentimentos! Uma explosão de emoção e hormônios. Nunca presenciei atos assim de meu filho, minha mãe foi mesmo muito paciente, confesso!!
..................
Aos quatorze estudava e queria ser desenhista, escritora, e viver um grande amor.
Fui realmente uma menina muito apaixonada pelos amigos, pelos eternos amores, pela vida.
Gosto de lembrar dessa infância regada a sonhos, tão bem vivida, intensa, verdadeira, conflitada e linda!
Meu primeiro beijo foi aos quatorze, no dia anterior à minha festa de quinze. Naquela época, já era bem crescida para um primeiro beijo, e não consigo deixar de rir de mim mesma enquanto as lembranças percorrem o labirinto da minha alma em busca destas alegrias de nossa breve existência. Foi em minha própria residência, escondida de todo universo.
Se hoje acho graça, aos quatorze era questão de ar, afogamento sem água, noites inteiras olhando o céu por entre as cortinas da janela, fogo e desespero, como se o amanhã não fosse mais existir. Recordar se torna um oásis em meio a esta vida adulta , sóbria e de uma razão que entedia.
Traço paralelos, e espreito em delícias a juventude de meu filho adolescente. Seus talentos que afloram, sua raiva pelas espinhas no rosto, suas frases filosóficas de quem sente que já viveu toda uma vida, e me surpreende, encanta, apaixona...
Nossas razões adolescentes , infelizmente são quebradas pelos desvios, acidentes de nossa humanidade.
Minha juventude marcou minha vida, e sendo história, fez parte dos fios tecidos que me transformaram na mulher que hoje sou.
Meu filho diz que será arquiteto, designer gráfico, fala que quer ser como o tio Artur e que vai morar nas terras mineiras. Gosto de ouvir seus sonhos, sua gargalhada, e também seus momentos nos quais esquece que é quase um homem, e volta a ser apenas uma criança, rindo pra valer assistindo desenhos. Alegrias aos quatorze é um voo de águia, plainando deliciosamente pela imensidão azul.
Meu filho de quatorze
e eu no réveillon
Termino estas linhas, banhadas em folhas de outono, posso sentir o barulho das folhas gastas rodopiarem em volta... Brisa que sussurra em meu rosto, trazendo lembranças de um tempo que não volta, de um primeiro eterno beijo, de sonhos que ainda estão na lista, de projetos que não dão mais pra ser... Olhando pro céu, ele continua lindo, azul, apesar do vento que me envolve e me assusta.
Aos quatorze a vida flui. Quatorze de sonhos, de alegrias, intensidade, chuva, sol, conflitos, ondas e beijos. Quatorze de silêncios e sons. "tem certas coisas que eu não sei dizer."
Pra sempre quatorze...
Apenas uma música que me recorda os tempos de quatorze...