domingo, 29 de maio de 2016

O Estupro da Menina de 16 anos - Eu a defendo!


Desde que soube da notícia sobre a adolescente de 16 anos estuprada por 30 homens, não consigo me sentir bem. É como um enjoo que não passa, como uma comida mal digerida que traz azia, e a todo o momento um gosto amargo sobe até a boca.

Ninguém de fato sabe, salvo a própria adolescente, o que realmente aconteceu. Talvez nem ela mesma. Sabemos do vídeo que os homens que estiveram com ela compartilharam, e que disseram "mais de 30 engravidou", e a imagem da menina machucada, sob a comemoração dos covardes. Sabemos que estava desacordada no momento em que foi filmada. Sabemos que ela manteve silêncio até que o vídeo fosse compartilhado e viralizado. Sim, porque foi muito compartilhado, e desta forma chegou ao conhecimento do Ministério Público por meio de denúncias. 

Após a imprensa divulgar, a polêmica se estabeleceu. E enquanto muitos defendem a prisão dos estupradores, outros condenam o comportamento da adolescente, e afirmam que foi consentido. Que ela queria, e se não o queria, ao menos mereceu. "bem feito" é o que se escuta.

Os que a condenam, o fazem a partir de fotos que postaram da adolescente segurando armas de fogo, um cordão com fuzil como pingente, e prints de mensagens de texto em redes sociais em que dizem que ela costumava fazer sexo em grupo.  A avó diz que ela costumava ir à bailes, e fazia consumo de drogas. Assim, se hoje em dia houvesse condenação por fogueira, certamente ateariam fogo à menina.

Alguns dizem que se ela estivesse trabalhando, estudando, indo a igreja nada teria acontecido. Quanta hipocrisia!
Quanto mais penso ou escrevo mais sinto nojo dessa sociedade.
Uma sociedade que não cuida de suas crianças, de seus doentes, de seus adolescentes. Uma sociedade desgovernada. Um governo que cuida de seus próprios interesses pessoais, e riquezas adquiridas com o dinheiro do povo. Recursos que deveriam ser usados para Educação, Saúde, Assistência Social, Transporte, Saneamento básico, Moradia, Qualidade de Vida. Um governo que implantou as UPPs, mas que mata seus policiais, num projeto falido.Todo mundo sabe que não existe mais Policia Pacificadora.Estamos cercados. O tráfico governa em suas cidades dominadas.

As autoridades, o conselho tutelar, e todos os ministérios e hierarquias governamentais não sabem onde ficam os bailes funks, que neles há menores, drogas e sexo com menores? Que há exibição, filmagem, venda de vídeos de sexo com menores, todo tipo de apologia ao crime e incentivo ao sexo? Eles desconhecem esses locais e as barbáries que neles acontecem? Não é preciso subir o morro, e ir ao baile funk para que nos deparemos com menores em prostituição, vendendo o corpo ou sendo vendidos por suas mães.

Experimenta ir aos bares do centro da cidade, logo após o trabalho. Não precisa ser de madrugada não... Na Happy Hour de sexta, ou na cervejinha após o dia de trabalho. Lá estarão meninas, vendendo doces, com roupas que mal cobrem o corpo, oferecendo mais que os doces da caixinha. Crianças pequeninas esmolando nos sinais... reinos de cracudos sob os viadutos. Miséria de todos os tipos , ausência de proteção, nas quais as leis são completamente omitidas.

O que fazem as autoridades?

Nossos adolescentes não tem proteção. Se tivessem, não haveria esse número catastrófico de crianças gravidas, gerando em seus corpos imaturos outras crianças que também estarão a mercê da própria sorte, formando assim gerações de abandonados. 

São meninos e meninas se multiplicando num Brasil que não executa suas leis, porque as leis existem, mas não são cumpridas. Por isso tantas crianças roubando, matando, engravidando, estuprando e sendo estupradas, usando drogas, ferindo seus corpos e os corpos alheios, arrasando famílias, provocando medo. É uma cidade desgovernada, na qual policiais, médicos, professores, bombeiros são desrespeitados. Como uma carreira de peças de dominó enfileiradas, tudo desmorona. Nossos alicerces estão corrompidos mas de alguma forma estamos cegos, pois diante de todo esse quadro, quando uma menina de 16 anos aparece em nossos celulares, sendo troféu de bandidos, e tendo sua vagina machucada exibida , as pessoas culpam a própria menina. 

Trabalho com crianças pequenas, e muitas mães são ainda adolescentes. Quem trabalha em escola pública, principalmente em creches sabe que recebemos mães de 13, 14, 15 anos... E elas continuam engravidando a cada ano. Eu recebo minhas adolescentes com muito carinho, elas tem idade para serem alunas do ensino fundamental, mas  não estudam. Converso com elas, e as trato com o respeito devido. E elas são crianças, meninas, que tem um sorriso tímido no canto da boca, que conhecem um nada nesse mundo, a não ser desmerecimento e humilhações. O que sabem da vida? Que parâmetros tem? Onde estão suas famílias? Quem as protegeu, ou protege? Está na constituição, está no estatuto da criança e do adolescente. Toda a sociedade deve proteger.

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Art. 227 da Constituição Federal Brasileira.

  O atigo 4 do Estatuto da Criança e do adolescente "É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais." 

Diante dessas leis, poderia me calar, as leis falam por si próprias. É por isso que a advogada da adolescente não aceita a forma como o delegado responsável falou com a menina. O tom, as entrelinhas, o olhar, a acusação precedendo a investigação.

Um caso como esse , de tamanha repercussão precisa ser tratado com o máximo cuidado possível, pois o assunto está nas mesas das casas, nos bares, escolas, ruas, pontos de ônibus, salões de beleza e em todo canto. As crianças e os adolescentes estão atentos e absorvendo o que a sociedade aceita ou não, como ela vê, como ela reage diante de um quadro no qual uma menina, pois não digam que não é, aparece desacordada , sendo alvo de deboche de homens que dizem que mais de 30 a penetraram.

Uma mulher sabe que um ato sexual com um único homem, sem que ela esteja excitada, incomoda, machuca, dói. A gente anda esquisito depois, não se sente bem. E isso pode ser com o namorado, esposo, alguém que amamos, apenas porque naquele momento não se estava bem. Como mulher não posso concordar com o fato de que vários homens entrando e saindo de uma menina, lhe dê algum prazer. Não aceito que os machucados que estavam nela foram com sua permissão. Mas, ainda que eu esteja errada sobre essa interpretação, o fato é. Ela é a vítima.

Muitos tem filhos adolescentes em casa. Os que tem uma família mais organizada, com filhos na escola, cursinhos de inglês, café da manhã, almoço, janta e hora pra dormir, viagens nas férias, e festinhas sociais, igrejas católicas ou evangélicas aos domingos de manhã.... ainda assim que tem filhos adolescentes dentro dos "padrões" tidos como próximos aos ideais, sabem muito bem que um adolescente ainda precisa de muitos conselhos, suporte, travas, que é apenas uma meia criança, e um meio adulto, e que fazem besteiras que não contamos nem para os amigos mais íntimos. Ou não? 

Não tem um filho adolescente, mas você já foi um algum dia, e sabe o quanto confuso é crescer. Como é difícil encontrar as tribos que nos acolha, como é difícil aceitar nossos corpos, e cabelos, e entender o corpo, o que ele faz, o que pode causar. Eu me casei com 18 anos, certa da minha maturidade e escolha. Fiz uma grande besteira, e já casada quase me perdi em meus conflitos pois não sabia o que fazer com aquela escolha. Hoje tenho certeza absoluta que com 18 anos eu não sabia quase nada, nem mesmo sobre mim. 

Se você conseguiu ler esse texto enorme até aqui, tudo que eu peço é que não condene. O caso desta menina é tão absurdo que ao invés de serem cassados os agressores, é preciso inocentar a vítima para que percebam que ela não tem culpa de ser agredida. 

Não condene não. Acho que essa é  uma  grande chance de debatermos sobre os bailes, sobre as músicas, sobre a violência, a exposição sexual precoce, prostituição, cuidados com o nosso corpo. Abordar mais nas escolas, nas casas, nos debates da TV, nos modelos instituídos nas novelas sobre o amor e o cuidado que os adolescentes devem ter com eles mesmos, cuidando inclusive de sua própria segurança e saúde.

É um assunto que nos leva a cobrar mais dos representantes que escolhemos para nos governar politicas que façam cumprir as leis. Estamos em um ano de eleições. 

 Há tanta história por trás desse vídeo.Há tanta dor nas entrelinhas.

Essa menina não precisa de mais condenadores. Ela e centenas de outras precisam de educação, saúde e proteção.