domingo, 23 de agosto de 2020

Aquário, Caminhão e Reticências

 


O passar dos anos, as experiências vividas, choros, euforia, amizades, amores, saudade, ganhos e perdas me levam a reflexões sobre certo e errado. 

Errado pra quem? 

Uma única paisagem pode ser vista, percebida, sentida e pintada de formas diferenciadas dependendo do ângulo que é olhada.  As tintas misturadas recriam cenários singulares, e geram interpretações múltiplas. 



Para uns, a paisagem que foi vista de cima de um alto prédio nada tem a ver com a que contemplam do chão. Ou, pelas laterais, de cabeça para baixo.... Há tantas opcões de interpretações. É impossível julgar qualquer leitura ou releitura. Enxergamos fotos e fatos segundo nossa próprio mundo e sentidos.



Quem poderá em sã consciência , julgar, condenar a visão de mundo do outro?

Este texto tem nome e sobrenome, mas é útil para que possamos compreender que as emoções e histórias pessoais dão à luz à sentimentos diversos e sensações que surprendem. 

Ações  podem desorganizar as batidas do coração, alterar a pressão, despertar memórias, gerar ansiedade, remodelar urgências.

Paixões, nostalgia, tesão, apetite, furor, intensidade, ousadia. Medo, coragem. Zelo, dedicação, pensamentos ao vento. Impulso, bem-estar, caspas, suor, gt, carinhos. Respeito.

Cabelos brancos,mechas vermelhas, mistura, bagunça, tremer do ventre, impulso, devaneio, deleite, sono. Sede. Chão. 

Sim, escrevo inspirada em uma pessoa. No entanto cada palavra é pensada e digitada na corda bamba no alto de uma montanha. Nos extremos das cordas, dois possíveis paraísos. De um lado da corda, euforia, do outro, receios, Lá embaixo... sombra.

Eu conto meus dias, sinto meus passos, e retive em memória que a vida é imprevisível.  O que faz a respiração acelerar , descompassar, nem sempre é pânico, as vezes é vontade com pressa, é andar querendo correr, pois chegar é bom e acalma, sossega, relaxa.

Da vez que vi e desejei, sorri. Queijo quente, prateleiras, doces e queijos. Pela estrada afora, eu vou... Nada.

Nisso, dentro e fora de mim questões apagadas, apenas o bem estar do aconchego, da fala suave e de mais desejo de presença.

Logo, pude me surpreender com a vontade de ver mais uma vez, e me peguei sorrindo para os audios que recebia no celular. 

Hoje é domingo, talvez terceiro ou quarto. Não tinha noção que eles seriam importantes, do seu jeito, que não quer dizer meu jeito;

Domingos sempre foram adversários nas diversas fases da teia da minha história. Nesses dias o vento fica mais forte e a corda balança. Minha escolha é continuar olhando para frente.

Frases que me antecipo, ainda é cedo. Eu repito "Cedo" e o eco reproduz. "você só tem o agora."

O desejo é chegar no extremo final da corda, apreciar a vista, respirar gostoso, e fazer uma bela pintura do ângulo que estarei. Meu tipo de visão, a apreciação da minha leitura . Quem sabe, na ilusão desta cena, pintar a duas mãos?

A sobriedade que adquiri não me deixa esquecer o vento, a sombra abaixo da corda. Não me importo a ponto de ter medo e recuar.  Se ainda parece cedo (e é) para registrar, também é cedo para retornar, e não me arrependo dos pequenos e deliciosos passos que já andei (andamos). Na corda, não sou apenas eu. Mesmo que não, há um nós.

Se posso cair, bambear? Se o vento for forte demais ? Mas, e se não for vento forte e sim brisa? E se a tal aventura valer a pena? Sentir o sangue ferver e perceber-se: vivo! 

Sangue  quente corre nesta veia  nordestina. 

E se as tardes apresentarem lindas paisagens, e  puder enxergar rios, flores perfumadas, estradinhas, cachoeiras,  casinhas coloridas e pequenas cidades...Ouvir o canto de pássaros e o som dos grilos no tal  caminho arriscado? 

Não se acanhe. Sou de palavras, expressões, e poeta aprecia o entrelace das palavras como o enroscar de pernas. Se para uns há desconexão de parágrafos e significados, sei que você pode entender as linhas escritas.

Que a intensidade de meus tremores lhe cause vontades e não temores. 

Se há motivos para parar e não te querer, há mais razões para desejar.

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Desde que nascemos, tudo sempre foi risco.

 Tudo, tudinho. Dos primeiros engasgos, primeiros passos até o guiar de um carro pelas lindas e sinistras ruas da cidade. É prazeroso carro com janelas abertas, cinto solto, vento no rosto enquanto desce e sobe as curvas da bela e histórica Santa Teresa.



Cada respiração, cada passo. Do dormir ao acordar, em  casa ou na rua, com contratos assinados ou acordos de palavras, no andar de bicicleta ou viajar de avião.... Tudo risco. Mas. se preciso confiar no piloto, no tempo, na equipe de controle aéreo, nas condições mentais e de saúde de cada passageiro ou tripulantes presentes, para poder conhecer outro lugar, eu arrisco voar, apesar das turbulências. A viagem vale a pena. 

Apreciar a estrada e suas belezas ímpares do alto de um caminhão, pela orla do Rio ao Nordeste também é risco, mas é charmoso demais e dá vontade.  Fiquei com apetite desta aventura. Você me fez desejar ainda mais meu sonho de estradas sobre quatro rodas. 

Não me arrependo de vontades. 



Tranquilo, tranquilo... 

Misterioso, imprevisivel, sonhador, empreendedor criativo:  Aquariano.



Eu leonina...

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Tranquilidade... 

Sim, medo existe, mas é tão bom estar, conversar, sorrir e encaixar que a maior parte do tempo priorizo o agora. Frio e quente na barriga. 

Tranquilo... Do macarrão ao baião, do pão australiano ao cachorro quente, da coca-cola ao puro malte... Tranquilo... Vinho tá quase. Um porre de vinho! Você de suave, eu de seco. Nós dois molhados. 

Vem de trilha sonora sertaneja ... 

Logo ali... Tranquilo. 



segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Apenas uma Menina

Escrevo a história apenas iniciada de uma menina, que entre tantas vi crescer. Na verdade, não cresceu. Esse "crescer" é um verbo para a vida toda, no entanto, nós, adultos, nos sentimos poderosos para julgar vidas que mal iniciaram. 

Adultos tão repletos de pesos e erros considerados graves. Gente grande. com voz forte, braços grandes, altos e detentores de inverdades para se sentirem melhor em seus egos inflados.



E então vem a menina. A menina que gosta de barbies, brincar com saltos altos. A menina que quer quer agradar e imita arrumar uma casa. A pequena quer correr, se divertir e tem sua própria e linda personalidade questionadora. Olhar forte, e pensamentos nas nuvens.

Porém, os adultos sabedores das verdades, esqueceram que ela era uma menina e jogaram sobre ela a culpa de suas irreverencias infantis. Pais que brigavam entre si e a faziam de motivo. A menina, só olhava. Ela olhava pra mãe, ela olhava pra cima e tinha uma mulher, olhava pra cima e tinha um homem. Os grandes sabedores não olhavam para baixo, eles apontavam para baixo. Usando do mais vil argumento: culpar o inocente e indefeso de suas mazelas.



É. A menina foi pra casa da mulher adulta, chamada mãe. Mas a mãe de tanto que sofreu resolveu compartilhar com aquela menininha, que ainda brincava de montar casinhas, sua dor, sua raiva. Os toques maternos não existiram, a conversa e a orientação também não. E ela desistiu da menininha , enfiou seus brinquedos e roupas miúdas em sacos de lixo descartáveis e jogou para o adulto homem. 



Pela primeira vez entre tantas foi lançada. E o homem culpou a mãe, enquanto a menina com sua boneca no braço ouvia os gritos, escutava pecados adultos que nem entendia. Ela ainda era pequena, e esqueceram que existe uma memória poderosa dentro de cada ser humano.



O adulto homem, a amava a seu jeito de macho controlador, e as mazelas de seu passado não lhe tinham ensinado o precioso dom da fala e  principalmente da escuta.

E com  a boneca na mão ela amava cada vez mais o pai, pois a mãe aparecia quando lhe convinha. Não tinha telefonemas de boa noite, bom dia, ou como foi a escola. Não teve as frases que esquentam o corpo e o coração com " saudades de você" "eu te amo"

A menina largou a boneca.

Ela foi crescendo diante daquele cenário sem toques de amor, sem as correções necessárias e que são feitas pelo cuidado. Os adultos dirão que sim, que amam, que não faltou pão, que não faltou brinquedo, que não faltou lição.

O que acontece é que as lições foram interpretadas pela garotinha enquanto seu corpo se modificava, e seus pequenos seios surgiam, e seu corpo adquiriu as curvas das transformações de toda mulher,

Só que ela ainda era uma menina. Sem bonecas. Petulante em suas respostas, mais petulante com as respostas que recebia. E a menina descobriu o celular e as mídias, lugar de todas as tribos, de todos os amores irreais, da fantasia, um lugar pra chamar de seu. Internet é rua sem regras, casa de ninguém.

A menina tinha escola. Escola boa. Ela tinha roupas, roupas caras. Ela tinha quarto e uma tv, e um celular. O que ela não ouviu ou sentiu foi o toque materno,  Ela não tinha a quem contar quando menstruou pela primeira vez. 



Ela jogou fora as bonecas. 

Trancou a emoção dentro de uma armadura dura que gerava mais dureza de adultos sabedores das verdades absolutas. A menina já tinha tamanho mas não olharam de verdade pra ela. E essa menina tem o sorriso tímido mais iluminado  que eu conheço.

Os fones de ouvido abafaram as vozes externas,. Último volume. 

Silêncio lá fora, gritos por dentro. Sua rispidez nunca foi compreendida como pedido de socorro. Mais silêncio, mais silêncio.

Até que a menina , ainda muito menina, tão menina que ainda poderia até mesmo ter algumas bonecas, conheceu o abraço.

Aquele abraço que a aqueceu, destrancou seus cadeados.

Mas aquele não era um abraço do bem, nem de amor. Era um abraço tomado, forçado à sua forma, primeiro abraço penetrado sem carinho, que foi para além do corpo não estruturado, e atingiu suas veias e lhe causou feridas.

 O primeiro abraço e as feridas físicas.

Sem alternativas, precisou chorar, precisou de socorro. 

Muitos gritos, ofensas , desespero e um mundo que desabou. Dor física, vergonha, humilhação, e castigo. Mais uma vez suas roupas foram colocadas em sacos de plástico, pois era a vez da mãe arcar. Aquela mesma dos não telefonemas, dos não abraços, dos gritos e silêncios.


Meses depois, sem tratamento completo e adequado , sem conversas absolutamente precisas, urgentes, necessárias, a mãe cansou do papel da mãe que jamais foi e sem aviso prévio, juntou suas roupas, colocou no saco e a devolveu para o pai.


Confesso que o pai tenta. Ele remontou seu quarto, lhe devolveu seu mundinho, mas ainda falta... Falta a conversa.


Ela ainda é uma menina, dona do sorriso mais lindo que conheço. Bruta e armada. Mas ela vai dar conta, ela será ajudada, ela será muito amada e abraçada por abraços que a aqueçam e não sufoquem. 

O pai está tentando.

A vida não acabou.

Ela é apenas uma menina.

E eu a amo demais.