Escrevo a história apenas iniciada de uma menina, que entre tantas vi crescer. Na verdade, não cresceu. Esse "crescer" é um verbo para a vida toda, no entanto, nós, adultos, nos sentimos poderosos para julgar vidas que mal iniciaram.
Adultos tão repletos de pesos e erros considerados graves. Gente grande. com voz forte, braços grandes, altos e detentores de inverdades para se sentirem melhor em seus egos inflados.
E então vem a menina. A menina que gosta de barbies, brincar com saltos altos. A menina que quer quer agradar e imita arrumar uma casa. A pequena quer correr, se divertir e tem sua própria e linda personalidade questionadora. Olhar forte, e pensamentos nas nuvens.
Porém, os adultos sabedores das verdades, esqueceram que ela era uma menina e jogaram sobre ela a culpa de suas irreverencias infantis. Pais que brigavam entre si e a faziam de motivo. A menina, só olhava. Ela olhava pra mãe, ela olhava pra cima e tinha uma mulher, olhava pra cima e tinha um homem. Os grandes sabedores não olhavam para baixo, eles apontavam para baixo. Usando do mais vil argumento: culpar o inocente e indefeso de suas mazelas.
É. A menina foi pra casa da mulher adulta, chamada mãe. Mas a mãe de tanto que sofreu resolveu compartilhar com aquela menininha, que ainda brincava de montar casinhas, sua dor, sua raiva. Os toques maternos não existiram, a conversa e a orientação também não. E ela desistiu da menininha , enfiou seus brinquedos e roupas miúdas em sacos de lixo descartáveis e jogou para o adulto homem.
Pela primeira vez entre tantas foi lançada. E o homem culpou a mãe, enquanto a menina com sua boneca no braço ouvia os gritos, escutava pecados adultos que nem entendia. Ela ainda era pequena, e esqueceram que existe uma memória poderosa dentro de cada ser humano.
O adulto homem, a amava a seu jeito de macho controlador, e as mazelas de seu passado não lhe tinham ensinado o precioso dom da fala e principalmente da escuta.
E com a boneca na mão ela amava cada vez mais o pai, pois a mãe aparecia quando lhe convinha. Não tinha telefonemas de boa noite, bom dia, ou como foi a escola. Não teve as frases que esquentam o corpo e o coração com " saudades de você" "eu te amo"
A menina largou a boneca.
Ela foi crescendo diante daquele cenário sem toques de amor, sem as correções necessárias e que são feitas pelo cuidado. Os adultos dirão que sim, que amam, que não faltou pão, que não faltou brinquedo, que não faltou lição.
O que acontece é que as lições foram interpretadas pela garotinha enquanto seu corpo se modificava, e seus pequenos seios surgiam, e seu corpo adquiriu as curvas das transformações de toda mulher,
Só que ela ainda era uma menina. Sem bonecas. Petulante em suas respostas, mais petulante com as respostas que recebia. E a menina descobriu o celular e as mídias, lugar de todas as tribos, de todos os amores irreais, da fantasia, um lugar pra chamar de seu. Internet é rua sem regras, casa de ninguém.
A menina tinha escola. Escola boa. Ela tinha roupas, roupas caras. Ela tinha quarto e uma tv, e um celular. O que ela não ouviu ou sentiu foi o toque materno, Ela não tinha a quem contar quando menstruou pela primeira vez.
Ela jogou fora as bonecas.
Trancou a emoção dentro de uma armadura dura que gerava mais dureza de adultos sabedores das verdades absolutas. A menina já tinha tamanho mas não olharam de verdade pra ela. E essa menina tem o sorriso tímido mais iluminado que eu conheço.
Os fones de ouvido abafaram as vozes externas,. Último volume.
Silêncio lá fora, gritos por dentro. Sua rispidez nunca foi compreendida como pedido de socorro. Mais silêncio, mais silêncio.
Até que a menina , ainda muito menina, tão menina que ainda poderia até mesmo ter algumas bonecas, conheceu o abraço.
Aquele abraço que a aqueceu, destrancou seus cadeados.
Mas aquele não era um abraço do bem, nem de amor. Era um abraço tomado, forçado à sua forma, primeiro abraço penetrado sem carinho, que foi para além do corpo não estruturado, e atingiu suas veias e lhe causou feridas.
O primeiro abraço e as feridas físicas.
Sem alternativas, precisou chorar, precisou de socorro.
Muitos gritos, ofensas , desespero e um mundo que desabou. Dor física, vergonha, humilhação, e castigo. Mais uma vez suas roupas foram colocadas em sacos de plástico, pois era a vez da mãe arcar. Aquela mesma dos não telefonemas, dos não abraços, dos gritos e silêncios.
Meses depois, sem tratamento completo e adequado , sem conversas absolutamente precisas, urgentes, necessárias, a mãe cansou do papel da mãe que jamais foi e sem aviso prévio, juntou suas roupas, colocou no saco e a devolveu para o pai.
Confesso que o pai tenta. Ele remontou seu quarto, lhe devolveu seu mundinho, mas ainda falta... Falta a conversa.
Ela ainda é uma menina, dona do sorriso mais lindo que conheço. Bruta e armada. Mas ela vai dar conta, ela será ajudada, ela será muito amada e abraçada por abraços que a aqueçam e não sufoquem.
O pai está tentando.
A vida não acabou.
Ela é apenas uma menina.
E eu a amo demais.
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