domingo, 22 de setembro de 2013

Margaridas, Piercings e Alargadores


Esse texto nasceu inspirado em uma quinta-feira, bem no meio do mês de setembro, no inicio da primavera. A correria da manhã foi ainda mais intensa, e não imaginava que viveria tantas emoções em um só dia.

Logo cedo fui à CADEG, mercado de flores,  comprar algumas violetas e arranjos para o evento da caminhada pela paz que faríamos no entorno da creche que trabalho.




Entre algumas flores já compradas e com as mãos repletas de bolsas, vi dois vasos de margaridas brancas, e me encantei. Pensei, esses comprarei para presentear. Enquanto pagava a conta e me ajeitava entre dinheiro, vasos e bolsas meu celular tocou. Era meu filho querendo saber se realmente iríamos no shopping para colocar o  alargador em sua orelha.

Eu já havia conversado com o profissional um dia antes, e fiquei de dar a resposta ao meu adolescente. Respirei e disse que sim, que iria buscá-lo mais tarde para levá-lo. E então, cheia de coisas, voltei para a creche como uma florista extremamente desajeitada. Algumas flores nem resistiram a minha falta de jeito, mas as margaridas sim!

Lilia Martins, que trabalha comigo logo que viu as margaridas, tão pomposas e brancas, repletas dentro do vaso, admirou!!! Combinamos as pessoas que presentearíamos. Mas, logo chegou uma funcionária e disse que não gostava de margaridas, pois lembrava túmulos. Em pouco tempo, chegou outra, e então fez um alarde, que aquilo era flor de cemitério, e cheirava à defunto. Eu e Lilian dissemos que não, que eram lindas, mas as duas teimaram que eram flores de cemitério. Nós então desconfiamos da nossa própria opinião.

O dia passou rápido enquanto enfeitávamos a creche para o dia seguinte.Já as margaridas ficaram lá no canto, aguardando o destino de suas brancas pétalas. À noite , conforme combinado, passei de táxi para buscar Vinicius, e fomos fazer seu alargador.

É engraçado que para as mesmas ações, significados diferem. Quando comentei com alguns amigos que permiti que meu filho fizesse a perfuração na orelha, tive respostas negativas, caras feias e conselhos dos mais variados.  Há pessoas que não sabem da história completa, mas vestem-se  de pequenos deuses com cetro na mão, julgando os bons e os maus, os santos e pecadores. E não se constrangem em falar em alto e bom som suas verdades absolutas. E creiam-me ouvi até: "Vai botando alargador aí, que daqui a pouco estará alargando outro lugar." E quem disse, falou para mim e para meu filho. E esses deuses, saem por aí citando o céu e o inferno que inventaram, e os merecedores destas eternidades.

Tem uma parte oculta na história das margaridas e do alargador. A creche que trabalho fica no bairro Caju, do Rio de Janeiro e é rodeada de cemitérios. A maior parte dos funcionários e professores  vivem no Caju e passa pelo cemitério todos os dias. Débora, que fez maior escândalo nasceu e cresceu no bairro. As margaridas são vendidas em frente aos cemitérios, e seu cheiro é exalado nas ruas.

Embora eu  trabalhe no Caju há anos, minha vivência é outra. Fui à cemitérios poucas vezes, e não tenho o cheiro fúnebre das margaridas registradas em minhas memórias. Lilian, também não. Só conhecemos a beleza e suavidade. A diferença de nossos registros, nos deu significados diferenciados. A história de cada vida, trouxe à tona que margaridas para moradores do Caju, não tem a mesma beleza que tem para mim. E é singelo poder ter lições assim, pois faz com que desconstruamos conceitos arraigados, e consigamos entender que cada pessoa precisa ser respeitada.

Quanto à perfuração da orelha do Vinicius, seu sentido é profundo pra mim. Desde que meu filho nasceu, durante sua infância, nossas vidas foi em hospitais. Recordo que ele tinha apenas um aninho e estava internado no Hospital dos Servidores. Lá, ele foi tão furado, que não havia mais lugar no corpo para colocar o soro. A todo o tempo, eu estava colocando paninhos embebecidos em água morna para diminuir o inchaço de suas pequeninas mãos, antebraços e pés , pois como era pequeno e se mexia bastante, a agulha sempre saía da veia e entrava no tecido, tornando-as grandes, inchadas.


Meu Vinicius, ainda pequenino


Com 6 anos ele teve meningite. Foram dias difíceis, desde a primeira febre alta, diagnóstico, pulsão, internação... Todas as perguntas que fiz , lágrimas eternas... Lembro que eu o olhava adormecer, e o seu sono inocente não era respeitado pelas agulhas ... O pior dia, foi quando foram colher o líquor da medula para a cultura, afim de saber se a meningite era viral ou bacteriana. Foram necessários 6 enfermeiros homens para segurá-lo. Enquanto eu chorava ele dizia: "Mãe, você não me ama. Não deixa eles fazerem isso comigo."

Ele tinha apenas 6 aninhos. Depois da violência contra sua inocência, que nada entendia, ele fraquinho, só me olhava, rancoroso.. não falou comigo até o dia seguinte. Graças ao meu  Eterno Deus, foi viral, e não houve sequelas físicas. Ficaram nossos traumas, medos. Vinicius não aceitava ir ao barbeiro, tinha medo do branco que usavam, da tesoura. Depois disso, as vezes que precisou colher sangue para exame ou por alguma emergência, eram momentos difíceis. Os registros da memória afetam a cor, o cheiro, o local. 

Então, agora, aos 15, quase 16 ele diz que quer fazer uma perfuração na orelha. "Mas filho, você não gosta de agulha..." "Mãe, eu tenho que aprender a suportar a minha dor, preciso perder meu medo." E fomos. "Dói?" ele perguntou ao Piercer,  "Sim, dói" . E então escolheram o tamanho. 


Vinicius mexeu no celular e meu deu: "filma" Claro que não. Nem entrei na sala. Fiquei conversando com as meninas tatuadas, tentando esquecer minha aflição. Lembra dos registros? Não esquece o contexto... Mas quando ele saiu da sala com a orelha inchada, vermelha e o sorriso no rosto, me deu um orgulho tão grande. Ele superou seu medo, e tenho certeza que ele venceu a dor do passado, ali, naquela sala.  

"Tá lindo!" Acho que foi isso que eu disse. A certeza foi o que eu disse depois: "Eu também quero"
me senti mais forte, corajosa. Acho bonito alguns piercings femininos, mas jamais pensei que de fato faria isso. Mas fiz, coloquei dois, um na orelha e outro no nariz. Achei uma graça quando ele chegou na porta e disse: "Mãe, não faz no nariz, dá bolinha, inflama.. To avisando, vai se arrepender!" 

Eu vou te dizer: Dói!! É rápido, mas não tem anestésico, e agulha dentro!!! Vinicius assistiu meu drama, porque eu choro! No final dos dois furos, o Piercer disse que o furo do Vinicius doeu duas vezes mais os meus dois juntos. 

Então, alguns acham horrível, outros acham que e questão de opção sexual, cada um com sua história... eu tenho a minha. Quantos do que julgam o bonito e o feio, o certo e o errado seguraram nossas mãos quando souberam que meu filho estava internado? Alguns, inclusive da família nem ao menos ligaram para perguntar se estavam tudo bem. 


No quesito Margaridas, não poderia mais presentear a ninguém com elas, entendi a história, o motivo. Elas estão lá, enfeitando a sala e esperando seu destino. Quanto ao alargador e aos piercings, foi uma experiência bonita e que me fez muito feliz. Tomara que nada inflame!!

Deuses com seus cetros e comandos.. eles não sabem de nada. 










sábado, 7 de setembro de 2013

Água Fria ou Água Quente ?


Depois que nos tornamos mães, toda conversa acaba envolvendo assuntos maternais. Meu filho isso, meu filho aquilo. Tem mãe que fala tão bem do filho, que chega a dar inveja. É  melhor da turma, o mais bonito, mais responsável, mais corajoso. Enfim... Coisa de mãe coruja ao quadrado. A gente sabe que não é bem assim, que toda família tem suas limitações.




Tenho apenas um filho, e fico impressionada com a capacidade das mães que criam e educam mais de um. Porque dar à luz é maravilhoso, mas educar um ser humano, requer equilíbrio, sabedoria, tempo, paciência, resignação e outras centenas de virtudes. 

É por conta dessas tantas virtudes necessárias, que nós, mulheres mães, nos sentimos culpadas. Como saber o que fazer? Quando devemos prender, soltar, silenciar, falar,dizer sim, não, concordar, discordar, ser enérgica, fingir que não viu... Como um livro de receitas seria bom... só chegar e consultar. Nem o Google consegue acertar, pois cada individuo tem suas peculiaridades.

Vinicius foi colocado em meus braços, há  quase 16 anos atrás, pela primeira vez. Eu estava grogue de anestesias, e não conseguia segurá-lo, e meus olhos fechavam enquanto minha consciência me alertava do perigo de sua queda. Foi meu primeiro medo. 

Lilia Martins, que trabalha comigo, e escuta meus desabafos diários sobre tudo, disse que seu primeiro conflito enquanto mãe, foi quando perguntaram na hora do primeiro banho: "Água fria ou água quente?" Assim, cada uma de nós, confessando ou não, temos nossos momentos de voo às cegas. 

E há alguém que consigamos amar mais que a estes pequenos e grandes?

Um dia me iludi pensando que cuidados, preocupação, e desespero eram quando os filhos eram pequenos, indefesos. Mas vejo minha mãe se preocupando comigo e meus irmãos. Ela ainda quer saber  porque me atraso, ou porque  estou tão quieta. Ela ainda faz a comida preferida do filho de 41. Também observo os olhos inchados de uma colega de trabalho, por seu filho de 25 anos em plena crise de depressão. Mãe é uma mistura de emoções. Mãe é coração, dor, paraíso e desespero enquanto viver.

Oro para que meu sim, esteja certo e meu não também. Que eu não exagere na proteção, e não libere em demasia.  Torço para que não ultrapasse nas ligações, que eu saiba dar limites.

Que eu saiba conter meus medos, e permita que ele tenha suas experiências. Que eu perceba suas inquietações e respeite seu silêncio.

Que eu entenda a fase, os hormônios, e lembre de minha própria adolescência.

Que meu amor cubra minhas deficiências, que ele perceba que embora adulta,  não sei de tudo, que erro, sofro, e quero acertar.

Vinicius, te amo profundamente.


Identidade Assumida


Nada como o autoconhecimento e aceitação pessoal. As pessoas vivem conflitadas, angustiadas, divididas entre aquilo que são, e o que as pessoas gostariam que fossem. E sofrem, mudam, perdem a essência, aquela que faz de cada um de nós, únicos no universo.

Fico satisfeita em perceber que os anos vividos, esses 37 que me definem, refinaram minha opinião sobre meu mundo, e o mundo de lá, mundo dos outros. Falo sobre minha experiência, das terras distantes, dos abrigos escuros em que sem opção, tive de conhecer. Nestes lugares, onde a solidão me acompanhava, tirei proveito do silêncio, e iniciei a descoberta da minha vida, sem medo, inteira, nua.

Quando me confrontei com o espelho, encarei minha pele, meus medos, a generosidade , as loucuras, as próprias maldades, percebi a delícia de ser quem sou. Essa mesma, com toda essa mistura de cores, desejos, tristezas e gargalhadas. Minha alma, e vontades revestidas na pele parda, nos olhos castanhos, nos cabelos alisados, nas curvas e cicatrizes do meu corpo. A vida por si só, deixa marcas.





Vez por outra, percebo...Ainda me olham de cara torta, quando passo estabanada em cima do salto alto, em roupas descombinadas. Ainda julgam se pinto o cabelo de vermelho, ou louro, ou corto. Também alguns reclamam, se abraço a criança de rua, ou a senhora que cata lixo. Gosto de gente, de suas histórias, e realmente não é meu critério  de toque , sorrisos e amor, escolher pessoas por seu status, e sua carteira.

Chega a parecer cômico, mas na verdade, é trágico. Querem tomar conta da cor do batom, do decote da blusa, dos livros que lê, do seu jeito de falar com seu filho, do tamanho da saia, do seu casamento. Mas não estão do seu lado quando sua casa cai, seu marido te abandona, quando seu coração vira trapo.

A sociedade de forma geral, a mídia, a família, o trabalho querem controlar o que você come, bebe, assiste, e se deixar até a forma como faz sexo.  Te apontam o dedo se está gordo, magro, se tem muitos filhos, se só tem um, se não tem nenhum.  Falam mal de você, e te julgam se é solteiro, se casou, se divorciou, se casou 3 vezes, se separou nas duas. Preconceitos em todo lugar, de todas as formas. Desprezam tua identidade e relevância diante do mundo, e ditam como deve ser seu café, sua panela, e os conselhos fluem como água de nascente. Apontam o inferno como seu destino, e se puderem te jogam lá para provar o quanto você é mau.

Nesse turbilhão de ondas diárias, onde todos precisam ser agradados para que você consiga ser aceito nas diversas tribos que nos consomem, o afogamento passivo é quase certo. Um tipo de suicídio.
Então surge a questão salvadora, como boia lançada ao oceano, depois que todas as forças se foram.
Por quê?

Por que devo aceitar?
Por que devo mudar?
Por quem, em nome de quem?
Por que ser quem não sou?
Por que permitir ser controlado?
Querem mesmo meu bem?

São mesmos teus amigos, e te querem mesmo bem essas tribos que te apontam, denigrem, e querem que mude? Estão do teu lado quando as contas aumentam, o aluguel esta atrasado e chega a ordem de despejo? Elas suportam o peso da tua dor quando seu parente morre, e você não tem paredes para escorar? Esses que apontam seu jeito de falar, e julgam tua religião, estendem as mãos quando você descobre que o diagnóstico dos exames, foi o pior possível?

É tempo de crescer, e perceber quem pode entrar na sua vida, tocar em suas feridas, remexer seu passado. Me considero mulher de sorte,  pois  posso dizer que tem gente que tá do meu lado por que me ama assim mesmo: bagunceira, exagerada, emocionada, um pouco louca. Que me ama com meus surtos, quando xingo, quando choro ou silencio. Que posso ligar de madrugada, posso inventar palavrões, posso desvendar meus segredos.  Esses meus amigos, podem enfiar o dedo na minha alma, podem brigar comigo, e tem até o direito de dizer que as roupas não combinam, e se meter no meu relacionamento amoroso. É porque quando a casa cai, eu sei que posso me escorar em seus braços, e que mesmo com a casa no chão, não vão me deixar cair.  

Os outros, das tantas tribos, que vivem suas vidinhas para enrijecer o braço e apontar para outros, a esses meu desprezo. Não contam mais, não tem direitos, não são nada.

A vida é curta demais pra gente sair dando satisfação pra quem não sabe nem mesmo a cor dos nossos olhos. Vivemos em corda bamba, com altos e baixos, numa correria desesperada pela sobrevivência. Resolvi,por isso, dedicar meu sorriso, minha alegria, meus surtos, canto e tudo a quem é amigo de alma, que se importa, briga com você, e te descansa em um abraço. 

A vida vale a pena, se vivida em sua essência. Seja você mesmo, descombine, descabele, gargalhe, dance... Quem gosta de você, aceita e admira sua autenticidade, na mistura louca dos sufocos cotidianos. 

Viver pode ser simples, mas você tem que se amar e respeitar.
Seja você mesmo.