sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Dor retrô



Você me esperou deitado na cama. Estava com sua calça jeans e cinto, não era seu jeito normal. 
Disse que precisávamos conversar.
Sabia,  antes de você dizer, que algo de errado havia. 
Muito silêncio, pausas estranhas nos dias anteriores.

Decidido, abriu a boca e liberou o vespeiro: disse que ia embora.
Fui toda machucada de uma só vez. Bum! 
Seguindo o clichê, perguntei se era outra, se não me amava mais.
Conforme o padrão, você negou. Deu explicações descombinadas, me olhava através e não pra mim. 

Recusou o toque que tantas vezes implorou, virou o comportamento do avesso.  Eu perguntava as mesmas questões, como se procurasse alguma resposta cabível que me convencesse.
A noite era silenciosa, lá fora. E de algum modo, fui vencida pela conformação nas primeiras horas. Me entreguei às suas falsas declarações rapidamente, fingindo ter levado um tiro de misericórdia, pra tentar fazer calar a dor. 

Então você começou o ritual macabro da separação. Pedi que fizesse em minha ausência, mas era nítida sua necessidade de sair daquele quarto, daquela casa, da minha vida o mais rápido possível. Abriu o armário e demorou uma eternidade guardando as peças. Um pouco fora de mim, ofereci uma calcinha pequena, uma que você gostava de me ver vestir, usar e tirar. Você não quis. Fez cara de "desnecessário" . Então peguei um livro meu e dediquei. Você aceitou.

Entretanto,com as bolsas e mochilas pelo chão, você acatou que era alta madrugada, e que melhor era dormir e ir no dia seguinte. Não tive ataque suicida, nem espalhei roupas pela casa, calei. Nos deitamos na continuidade de um ritual ainda mais sinistro. Você me abraçou de todas as formas, sua respiração queimava minha nuca, suas mãos deslizavam pelo meu corpo, e pairavam entre minhas pernas.Sentia sua excitação permanente, latejando contra meu corpo, mas apenas isso. Não houve despedida no sexo. 

Acordou e me beijou. Olhou meu corpo, desejou, mas apenas isso. Levantou dizendo que estava na hora de ir. Perguntei se era isso mesmo que você queria.  Tive uma crise de choro, perguntei porque você estava me colocando pra fora de sua vida. Antes , porém, que a minha dignidade fosse embora mais rápido que você, de novo calei. Ajudei com as bolsas até o portão. Voltei e vi que tinha esquecido o celular. Será que foi de propósito? Levei correndo pra você. Nos abraçamos, desejamos boa sorte como bons amigos. O portão se fechou.

É noite, e nem deu 24 horas meu corpo reagiu. Não gritei, mas meu corpo empolou, meu intestino desarranjou, e estou entre escrever e ir ao banheiro às pressas. Embora não seja dependente, nem tão frágil, confesso minha dor, essa que já conheço.

A idade, e as tantas desilusões criam casca grossa, e não abalam como antes. No entanto, há um processo interior que perfura, faz buracos na alma. Um lamento fino, porém profundo. Uma tristeza que está para além da perda. Olho por trás do ombro, revejo os passos que dei, e então percebo que mais uma vez, minhas pegadas são as únicas. Essa é minha verdade.

Atravessei tempestades fortes, e sei que a sua ausência não me matará. Ainda assim, não serei hipócrita para mentir que me sinto livre, que não sofro, que estou bem, melhor assim e etc. Eu sinto a perda, sofro, choro  e sei que vou chorar as vezes, mas vou superar mais rápido, mais sobriamente, sem excessos e sem maiores dramas. Vou lutar contra a tristeza na beleza do meu trabalho, na dança que me fascina, na risada do dia-a-dia, no abraço dos amigos, na doce voz do meu filho Vinicius. 

Continuo andando, para frente, claro. Sei que novos sorrisos, amizades e amores vão chegar. Outros modos de pensar, outras alegrias, outros beijos. De você, levo a lembrança doce do que foram nossos melhores dias. E venha o que vier, eu quero ser feliz.


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