Não é um dia incomum, é apenas um domingo a tarde normal. Estou em casa com meu cachorro ao meu lado, ele dorme enquanto escrevo. A televisão está ligada a toa, e meus pés descansam em uma cadeira, o meu corpo está relaxado no sofá.
Não foi uma semana fácil, precisei lutar contra um desânimo eminente, e insisti na prática da esperança. Ainda assim, posso dizer que em vários momentos me permiti sorrir. Não julgo a pessoa, nem os motivos que fizeram com que eu me magoasse. Tenho construído a ideia de que não somos perfeitos, nem as relações, e que é burrice apostar em romances ideais, em pessoas sem defeitos. Viemos da terra e do pó, para lá tornaremos. Nossa caminhada é aprendizagem, desconstrução, reconstrução. Não somos santos, nem deuses. A capacidade de prever é limitada. Não somos, estamos. E portanto, a sabedoria clama que julgar não é solução. A chuva, o sol, as tempestades, os ambientes, livros, filmes e experiências afetam nosso comportamento, e aos poucos nos transformamos. Que bom! Seria péssimo nunca mudar de opinião, nem de estilo, de casa. Estamos.
Não posso ser hipócrita e me excluir da certeza de que todos, em algum momento da vida, falham. Imagino que com consciência ou não, magoei pessoas, até mesmo àquelas que me são caras. Isso inclui amigos e família. Já errei sabendo das consequências, já vacilei por motivos egoístas , por inexperiência, por escolhas equivocadas. Deste modo, sei que nessa roda gigante, também sou afetada. Muitas vezes sou magoada também.
Sinto, quero, planejo porém sei que ter meus sentimentos satisfeitos, meus desejos saciados, e meus planos concretizados não dependem só de mim. Não controlo. E assistir de camarote, planos se desfazerem como gelo, requer coragem. Coragem pra permitir sonhar de novo, planejar de novo, já sabendo que tudo pode se transformar em nada em menos de cinco minutos. As vezes basta uma conversa , uma visão para que tudo derreta.
Eu fui magoada. O meu sentimento não é contra o causador, nem contra a causa. Apesar da dor parecer subjetiva, e não ser possível enxerga-la nem com o mais avançado microscópio, a mágoa tem cor roxa, é um machucado da alma. Quando o roxo é no olho, no rosto, no corpo usamos compressas, remédios fabricados para amenizar a dor. Dor na alma também tem as drogas que tornam a ferida menos dolorida.
Tive remédios essa semana. Compressas mornas, massagens, carinhos. Abraços, palavras e chocolates. Amigos de longe e de perto, que me dizem que tudo está bem, e me passam uma confiança tão certa que de fato, chego a crer que há mesmo muita alegria para se viver. E ainda que meu machucado lateje, se mostre presente, percebi que tem tanta gente maravilhosa perto de mim, que gosta de mim, do jeito que sou.
É difícil fazer reflexões quando a vida é puro fevereiro. A festa faz cegar os olhos, e influencia a percepção. É nas horas de perda, que conseguimos alinhar expectativas e realidade, e olhar pra terras desconhecidas. A gente descobre resiliência, e aprende um pouco mais sobre humanidade. Quando apalpamos nossa fraqueza , entramos em contato com a matéria real que nos define, o pó das limitações. E a partir desse encontro, que gera fogo, e queima, mergulhamos no oceano de nossa capacidade de reconstrução.
A dor tem suas compensações. Ela nos torna melhores, mais fortes, e sábios. E o melhor disso tudo, pois não há mal na vida que não tenha seu lado bom, é perceber as pessoas generosas, gentis, que caminham comigo, nessa peregrinação misteriosa que é a vida. Apesar das mágoas que causamos nos outros, e das que os outros geram em nós, sou testemunha de que a vida é uma delícia, que tudo vale a pena.E que há surpresas escondidas, que quando encontramos é como banho de cachoeira no mais forte calor. Sim, mesmo no deserto podemos encontrar um oásis. E como é bom!
E que venham novos sonhos, novos planos, novos amores. Minha essência não me deixa perder o sorriso, nem a poesia. Ainda ando precisando de compressas mornas, mas logo toda a mágoa virará lembrança, e eu continuarei trilhando meu caminho.
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