Não sei se o que sinto é tristeza profunda, indignação, revolta, medo... Minha cabeça está um caos. Sim, eu sei que o mundo está submerso em maldade, que há pessoas ruins, que a gente sai pra rua segurando as bolsas. Sei que evitamos andar à noite e agradecemos quando nós e nossas famílias retornam pra casa em segurança. Sei que há tiros achados e perdidos alcançando gente de bem, que há corrupção, q os hospitais estão abandonados, que as pessoas morrem por negligência. Sei que há doenças avassaladoras, que consomem aos poucos pessoas maravilhosas, e àquelas que vem e levam de um dia pro outro. Da vida, a única certeza é a morte, e somos obrigados a aceitar, a conviver, e a chorar nossas perdas.
No entanto, ainda há que se acreditar no amor, na casa e no lar, nosso porto seguro, nos abraços que confortam, nesse amor cúmplice que move o mundo. Não se pode negar aquilo que de certa forma é nossa essência.
Conheço Marinalva há 5 anos. Muito alta e com um corpão de chamar atenção. 51 anos de elegância, porte, vida. Tudo que ela fez na vida foi cuidar da família, sobrinhos, irmã, pouco tempo tinha para a própria saúde. Lilia que a orientou a se cuidar, a fazer o plano, a cuidar dela. Mas Marinalva não deixava as cores das roupas, os brincos extravagantes, o sorriso. Coisas de quem gosta da vida.
Em outubro ou novembro do ano passado, eu estava de férias, e ela apareceu na creche no maior alto astral de todos os tempos. Estava apaixonada. Seu suor era pura manifestação de felicidade.. Ela havia encontrado o homem da sua vida( surreal). Em semanas a paixão- aquilo que nos movimenta, não julguemos jamais - levou com que eles se unissem, e foram morar juntos na casa de Marinalva.
Nunca vimos nossa negona tão feliz. Em janeiro, mesmo no recesso quis celebrar seu aniversário conosco na creche, porque queria celebrar sua felicidade. Ela foi vestida com uma camisa com a foto de seu amor. Disse que ele também estava com a camisa com a foto dela. Era algo do tipo: sou dele, sou dela.
Ela fez declarações de amor e felicidade. Fez toda a comida em sua casa, e levou para a creche. Ela de fato celebrou o amor.
De dois meses pra cá Marinalva estava quieta, de um jeito que a gente conseguia notar. Não falava mais de seu amor, mas não questionamos, respeitamos o silêncio.
Sexta-feira, dia 29 , último dia de trabalho na creche ela comemorou comigo meu aniversário. Como saberíamos que seria a última vez que nos veríamos.
Na segunda ela foi vista na rua pela última vez. Quinta lá pelas 23, Débora me ligou dizendo que tinha polícia na porta da Marinalva, que estavam falando de assassinato, mas Débora n queria crer. Pediu que eu ligasse pra ela. Tive medo. Liguei pra Mônica, enquanto Débora voltava lá. E a voz de Débora, dizendo que era ela, jamais me sairá da cabeça, Falei com Mônica, falei com a Elisete, e toda nós na creche estamos ainda em choque. Ela tão forte, tão guerreira foi nocauteada por um covarde que ela amou; Ele covardemente ceifou sua vida à marretas, e enquanto seu corpo lá permanecia, ele continuava a vida, saindo e entrando da casa, até que a falta dela não fosse mais consentida.
Crueldade que não cabe em mim. Deus nos dê forças para prosseguir diante de coisas que não entendemos. Diante dessa dor que leva conosco parte da nossa vida, e nos mata também. Deus nos dê fé, nos apoie. Que nos apoiemos. Deus conforte sua família, a quem ela tanto amava. Deus ajude sua irmã, que ela cuidava. Como me disse uma mãe da creche ontem, que a gente procure um conto de fadas e conte para as crianças quando dissermos que a tia Marinalva não vai voltar.
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