Hoje, antes de sair do trabalho, ouvi portas batendo. Alienada ao que de fato acontecia, fui advertida:" A ventania lá fora está intensa". Então era isso, as portas bateram com a força do vento.
Fui até a grande janela da sala, cortinas abertas mas vidros trancados. Colei meu rosto à vidraça, e vi que lá fora as árvores sacudiam, as telhas pareciam querer fugir, e as folhas levantadas do chão, giravam no ar. Ali dentro, onde eu estava, nenhum vento circulava, era como o mundo se dividisse, o de lá, o vivo, o real, e o meu. Mas a minha situação de lugar seco e estável também era real.
Estranha e não literal, vi meus dedos digitando no ar as palavras que agora, cinco horas depois, escrevo.
Pessoas chegavam apressadas, rindo, tensas, molhadas, arrumando a bagunça do vento nos cabelos.
E eu ali, seca, arrumada, vendo tudo como numa tela de TV.
Paralelos fundamentais para achar respostas, ou perder as perguntas...
Em instantes, pensei em mim, na vida, passado, presente, futuro e vidraças.
Quando somos jovens as emoções se agigantam. Não importa caminhar no mar até onde não dá pé, e levar empurrões agressivos das ondas, é divertido! Não faz mal sambar sem saber, e deixar os cabelos aos ventos sem a preocupação da arrumação.
Vi uma cena, meses atrás que me encantou, e que cabe aqui, ou ali, do outro lado do vidro.
Chovia forte, e eu passei na casa de uma amiga. Sua filha de oito anos acabava de chegar da escola, abriu as portas do fundos, invadiu a chuva, abriu os braços para receber as gotas e sorria para o céu. Sua mãe, não a impediu, tirou sua roupa do uniforme, e a deixou ali na chuva , entregando-se a alegria natural e verdadeira de um banho intenso de chuva.
Naquele momento, e neste, me lembrei das chuvas a que um dia me entreguei, do gosto da água, cabelos molhados, grudados no rosto, roupa encharcada , pingando... Uma sensação de alma limpa, de vida, de prazer.
Isso faz tempo...
Em instantes pensei nas emoções anestesiadas pela dor, razão, mágoa. Praias que hoje se resumem em areia e sol, dedinhos e baldinhos provam a água salgada do imenso mar. Muito teto e nenhum banho de chuva. Seriedade, razão e sensatez em demasia. Pouco prazer deste lado da vidraça.
Precauções que inibem emoções, seja de dor, amor,prazer, tem como consequência secura, frio, gosto amargo,
Retomar requer esforço, pois mudanças desconstroem e causam dor. Posso começar abrindo os vidros da janela, e deixando o ar fresco invadir a sala seca
Posso colocar vasos de plantas na janela, e sentir até mesmo o cheiro especial da terra molhada, que nos conduz ao cheiro de nossa essência.
Estender as mãos e tocar as folhas que giram em torno de si mesmas, ouvir o assustador barulho do vento, que balança as árvores e as arranca pela raiz, com força. VIDA! REAL! VERDADE!
Por que a vida é isso! Ventania, bonança, chuva, calor, sol, terra, risos, choros, desespero, euforia.
O que mata é o silêncio, a estagnação, o medo que paralisa.
Tic tac, tic tac, tic, tac - O tempo passa.
Hora de assumir riscos, rir, chorar, gritar, perder o pé na água do mar, e mergulhar até que as águas salgadas restaurem o tempero perdido. Entrar na chuva, de roupa, nua, só, acompanhada e como a linda menina que conheço estender os braços pro céu e aceitar a Vida.
Do lado de lá da vidraça.
( Há no texto obras de Salvador Dali)
3 comentários:
ADOREI O TEXTO, ME DEU VONTADE DE FICAR MOLHADA NA CHUVA COMO CRIANÇA MESMO. AS IMAGENS DE DALI SE ENCAIXAM LINDAMENTE.
ADOREI O TEXTO, ME DEU VONTADE DE FICAR MOLHADA NA CHUVA COMO CRIANÇA MESMO. AS IMAGENS DE DALI SE ENCAIXAM LINDAMENTE.
Janete Bloise
Bacana o texto. Como sempre vc é muito criativa no que escreve e as imagens também ficaram muito boas.
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