quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Quantos de Você?


Alguns dias se iniciam mais intensos que outros. Sabe-se lá a razão.  Sei que ontem estava mais inspirada que os dias anteriores, uma conexão mais forte com meu universo, e com a terra embaixo dos meus pés.



É madrugada. Gosto de escrever quando o silêncio impera. Há um mistério quando as luzes das casas se apagam e as pessoas adormecem, alienadas à tudo que lhes ocorre ao redor. Neste momento , sinto que as palavras misturadas dentro de mim, se organizam e eu posso pincelar partes de mim, molda-las e torná-las outra vida, outra de mim. Porém em linhas, pontos, vírgulas e parágrafos.

Outro dia, tirando a poeira dos moveis de casa, abrindo armários e remexendo passado, me peguei sentada no chão da sala. Fiquei como as crianças da creche que trabalho. Sentada de pernas cruzadas, meio à desorganização da sala, enchi meu colo de álbuns. Sou uma fã incondicional de fotografias, puxei de meu pai que sempre gostou de filmes e  fotos.

Nos álbuns pude ver   menina, criança, moça, velha, mulher. Todas tinham meu nome, e traços em comum. Olhos e olhares em diversas versões. Traços, cabelos, gordura e magreza. Tristeza, solidão, leveza, profundidade, inocência e perdidão, pecado, redenção. Beleza, feiura, sapatos, chinelos, princesa, escrava.  A cada folha virada, nas fotos de papel reveladas com suas imperfeições, uma história por trás. Uma história que quem olha, não enxerga. E quem fotografou não fazia  a mínima ideia do sorriso por trás do diga um "x".

Em cada uma delas, meu corpo, sangue, impressões digitais. A mesma mulher em fases diversas. Mas eu? Resolvo me olhar no espelho. Não sou àquela mulher, menina, velha das fotos. Não mesmo. Não me encontro nela, somos inteiramente diferentes.  Ela, um curió preso, que perdeu o canto na ilha de uma solidão sem nome. Eu, um sabiá livre.

Quantos podemos ser durante a existência. "Nunca diga não", nem "desta água não beberei"- ouvi em algum lugar, certa vez.



Não somos, estamos. O melhor da humanidade,  está  exatamente nesse poder de desconstrução e reconstrução.  Menina calada, menina triste, menina chorosa. Menina submissa, obediente, passiva. Mulher de olhos fundos, pensamentos de fim. Que menina, que mulher era essa que carregava com ela, meu DNA?

Um dia escrevi em um dos portões de casa em tinta vermelha. "Possibilidades em todo lugar", frases de salvação, como tábuas que boiam após o naufrágio.  Que mulher era aquela, que sentava imóvel no sofá de casa, e por horas permanecia? Que personalidade era essa, que permitia tamanha violência contra a própria alma?

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Ontem amanheci inspirada, com palavras pingando dos dedos. E ao primeiro bom dia recebido, via tecnologia de celular, as mãos fizeram chover palavras. Do outro lado da cidade, o amigo que lia, não entendia bem àquela minha manhã de pensamentos soprados.

Com algumas frases, lhe disse que eu estava em busca de mim, do conhecimento da minha própria essência, na caminhada que direciona ao autoconhecimento. Ele perguntou se eu não me conhecia. Que embora bem jovem, ele já se conhecia. Que todas aquelas palavras eram muito abstratas e subjetivas. Eu respondi que essa era uma busca por toda existência.




Contei sobre o meu desejo de uma longa viagem, sozinha. E justifiquei que não era depressão, nem falta de amigos, muito menos infelicidade,  apenas a vontade de adquirir  em uma experiência ímpar,  o máximo de compensações que o silêncio traz.

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A menina das fotos, a mulher com olhos fundos se entregava ao ruídos da sociedade, e nem entendia o quanto era dispensável, estar infeliz. Em todo o tempo, opções se abrem feito cartas espalhadas na mesa. Com a opção você ganha e perde. O que ganha ou perde mais, saberá depois. O melhor de tudo é que enquanto há a vida, o leque está aberto. É possível alterar os caminhos, repaginar, levantar. Um  desafio se encontra  nas horas que voam, bem mais rápido que podemos calcular. Outro desafio é que não há rascunhos, escolhas serão tatuadas na pele e na alma, e se tornarão seu sangue, estará sempre em sua história.

Anos vividos tem a vantagem de uma sabedoria, que os livros não podem trazer. Sangue , suor e lágrimas são essências intraduzíveis. Se houver permissão, não há como não aprender; só é preciso estar atento para ouvir.



Há uma paz profunda quando você tira as máscaras apresentadas à sociedade, se veste da sua própria nudez e se permite  ver o reflexo da criatura única , especial que é.  E então você se aceita. Nos traços físicos, àqueles que você nasceu. O puxadinho dos olhos, os pés chatos, a cintura fina... Você percebe a beleza de ser único no mundo. Tem todas as opções de mudar, se você quiser, não por imposição oculta de uma sociedade hipócrita. 

Você percebe seus gostos e sua personalidade. Entende que há aspectos que precisam ser trabalhados com muito carinho, por você mesmo. Compreende que a vida é mais bonita se em seu trabalho houver prazer. E decide que as pessoas não tem direito de opinar sobre sua vocação. Se ela for a música, toque. Se a arte estiver pulsando nas veias, se é um grito preso na  garganta, vá fazer as esculturas, pintar, ver obras de arte... Se praticar um esporte é o grande sonho, corra atrás. Se é ser médico,engenheiro, juiz,  não perca tempo, faça cursos, estude, vá a luta. Ninguém pode viver nossa vida, só nos mesmos. Somos os condutores únicos dessa máquina incrível, por ser tão poderosa e frágil.

E desse jeito estou me descobrindo. Enxergo algumas das minhas limitações e medos. E reconhecê-los , faz com que eu me dedique a melhorar alguns aspectos. Vivo uma fase especial de autoconhecimento. Não é de conformismo, pura aceitação, é melhor.

Sei dos lugares que não vou, porque não me sinto bem. Não me aborreço com o insignificante, e isso gera juventude. Não ligo pra quem não liga pra mim. Não choro por  quem escolheu minha ausência. Eu quero a inteireza, não a metade. Sorrir com vontade, e se a lágrima quiser empedrar na garganta, me derreto. Eu choro  sem hipocrisia.


Verdade, não sou àquela menina, àquela velha, àquela mulher das fotos. Mas carrego-as todas em mim,  são minha tatuagem, meu sangue e suor. Confesso,hoje  em dia, sou bem mais feliz. Com muitos defeitos e algumas virtudes, mas sou eu. Vestida da minha própria nudez imperfeita, mas autêntica. 

Estou em busca do autoconhecimento. E quando me conheço, entro em contato com minha natureza,aceito e entendo o que me faz ma le bem, deixo de julgar. Essa, é uma busca que deve durar até o último suspiro.




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