quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Quando a vida acontece aos quatorze

É na correria do dia, que meus pensamentos criam frases, poesias, textos... É quando acordo cedo,   ou espero no ponto meu ônibus passar... É atravessando a rua, reparando nas gentes, nas mães que amamentam, nos beijos e  silêncios de casais, na risada da criança, no idoso que ignorado, não consegue um motorista que cumpra sua função e pare o ônibus a fim de que  faça uso de seus direitos.





Nos meus textos, ainda  quando são apenas visitantes da minha imaginação, pontuo, exclamo, pergunto, dou pontos finais. Hoje minha poesia foi escrita nas linhas da memória, repleta de reticências...
                                                             
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Comecei a escrever quando recebi a ligação do meu filho. Vinicius, era seu nome escrito no meu celular. "Mãe, acordei." "Tudo bem com você, meu filho?" "Tá, beijo, tchau."


Sou uma mãe apaixonada, e como muitas outras, não possuo receitas prontas. Meu adolescente vive suas fases, do abraço apertado que me enlaça, como quando o mantinha em meus braços, à cara séria, que quando mal chego perto,  ele me pede pra sair.

Em um dia em que os conflitos maternos me atribulavam, minha amiga Neilda me disse para manter a calma, que ele estava no seu momento adolescente, que os hormônios borbulhavam, que os pensamentos se formavam, e o corpo conflitava entre a criança que se deixa e o adulto que se forma. Acalmei. Embora  sempre soube disso, quando é no  próprio coração que dói, acabamos por esquecer...

Foi andando  pelas  ruas do Caju, que voltei aos meus quatorze anos. Confesso ter me assustado com a mémoria aguçada, e com meu próprio pensamento: "parece que foi ontem...." lembro com detalhes de fatos, fotos, risos, choros, alegrias, desespero." Eu lembrando de forma tão recente a majestosa idade de vinte e  um anos atrás , e vendo a do meu filho passar por mim, de um modo lindo, rápido, que se eu pudesse capturaria em  milhares de prints.

Adolescentes preservam seu mundo,  ou os apresenta a quem querem , inventam seus  próprios tesouros, constroem seus  castelos, escondem-se nele, projetam o futuro, inventam cortes de cabelo, vivem seus segundos como os únicos...

Eu lembrei, também fui assim.

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Sempre escrevi, e meus cadernos escondiam minha alma.  Nas entrelinhas, lia-se uma vida que parecia eterna, ou  então  um instante em que o mundo se evaporava.
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Com quartorze anos me apaixonei pela primeira vez, e  romântica redigia  inúmeras poesias! Coração  se transformava em  uma escola de samba em desfile no Sambódromo, só de ver o amor passar.  Outro dia minha mãe  me lembrou em que uma tarde, joguei minhas poesias datilografadas pela janela da casa, em seguida as apanhei e na pia as queimei, banhando-as ao mesmo tempo em lágrimas. Enquanto escrevo, um sorriso me escapa,  rindo comigo mesma da  intensidade  contida nos sentimentos! Uma explosão de emoção e hormônios. Nunca presenciei atos assim de meu filho, minha mãe foi mesmo  muito paciente, confesso!!

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Aos quatorze estudava e queria ser desenhista, escritora,  e viver um grande amor.

Fui realmente uma menina muito apaixonada pelos amigos, pelos eternos amores, pela vida.

Gosto de lembrar dessa infância regada a sonhos, tão bem vivida,  intensa, verdadeira, conflitada e linda!

Meu primeiro beijo foi aos quatorze, no dia anterior à minha festa de quinze. Naquela época, já era bem crescida para um primeiro beijo, e não consigo deixar de rir de mim mesma enquanto  as lembranças percorrem o labirinto da minha alma em busca destas alegrias de nossa breve existência. Foi em minha própria residência, escondida  de todo universo. 


Se hoje acho graça, aos quatorze era questão de ar, afogamento sem água, noites inteiras olhando o céu por entre as cortinas da janela, fogo e desespero, como se o amanhã não fosse mais existir.  Recordar  se torna um oásis em meio a esta vida adulta , sóbria e de uma razão  que entedia.


Traço paralelos,  e espreito em delícias a juventude de meu  filho adolescente. Seus talentos que afloram, sua raiva pelas espinhas no rosto, suas frases filosóficas de quem sente que já viveu toda uma vida, e me surpreende, encanta, apaixona...

Nossas razões adolescentes , infelizmente são quebradas pelos desvios, acidentes de nossa humanidade.
Minha juventude marcou minha vida, e sendo  história, fez parte dos fios tecidos que me transformaram na mulher que hoje sou.

Meu filho diz que será arquiteto, designer gráfico, fala que quer ser como o tio Artur e que vai morar nas terras mineiras. Gosto de ouvir seus sonhos, sua gargalhada,  e também seus momentos  nos quais esquece que é quase um homem, e volta a ser apenas uma criança, rindo pra valer assistindo desenhos. Alegrias aos quatorze é um voo de águia, plainando deliciosamente pela imensidão azul.


Meu filho de quatorze
e eu no réveillon  

Termino estas linhas, banhadas em folhas de outono, posso sentir o barulho das folhas gastas rodopiarem em volta... Brisa que  sussurra em meu rosto, trazendo lembranças de um tempo que não volta, de um primeiro eterno beijo, de sonhos que ainda estão na lista, de projetos que não dão mais pra ser... Olhando pro céu, ele continua lindo, azul, apesar do vento que me envolve e me assusta. 




Aos quatorze a vida flui. Quatorze de sonhos, de alegrias, intensidade, chuva, sol, conflitos, ondas e beijos. Quatorze de silêncios e sons. "tem certas coisas que eu não sei dizer." 
Pra sempre quatorze...

Apenas uma música que me recorda  os tempos de quatorze...



quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Pipas... Uma reflexão...

Maria da Graça é o bairro onde vivo, e no qual cresci. Pequena, gostava de ver o céu colorido pelas pipas que pareciam brincar de pega pega no céu azul. Meu irmão e seus amigos, nossos primos estavam sempre com uma lata na mão enrolando a linha que caía, desenhando formas pelo chão cinza.



Naquela época não se falava nos perigos reais do cerol, apenas "tome cuidado para não se cortar", e logo ali, nesta mesma rua, as linhas eram colocadas lado a lado, dando volta nas amendoeiras e postes de luz. Como ritual, a  mão cheia de cola e vidro trituradinho distribuía a goma cortante pela linha , e depois esperava secar. As vezes passava mais de uma vez, pra "cortar geral"!!!

Muitas vezes, enquanto olhava as nuvens (bom lembrar que a vida já me deu tempo para saborear o céu), ficava tentando acertar qual eram as pipas dos meus amigos, e irmão. Me confundia com as cores, as rabiolas, tinham umas fantásticas, e afinal só sabia o que de fato acontecia, com as brincadeiras e os gritos que os meninos davam, ou com a correria pra pegar a "avoada" , acho que era assim que falavam.

Nunca entendi o motivo de correrem e brigarem por um brinquedo tão baratinho. Quando faziam a pipa, até entendia . Vi várias vezes a construção da pipa, mas  o que adorava mesmo, e as vezes até me deixavam ajudar, era em fazer a rabiola. Pegávamos saco de merca\do e cortávamos em tirinhas, depois com um jeito próprio, amarrávamos na linha, até fazer um grande rabão!



Um jeito gostoso de pensar infância... Hoje ao passar pela praça aqui perto, meninos repetiam o ritual, cheguei a conversar com um deles, o sorriso largo era a prova de que tudo estava exatamente no lugar que tinha que estar.

No entanto, o que me leva a fazer esta  volta bonita ao passado gentil da época das brincadeiras, é ver aqui no meu bairro, a quantidade de homens  soltando pipas. Não, não estão ensinando seus filhos, estão gritando, olhando pro céu, esticando os braços, "dando linha"... Posso gerar até polêmica com minhas palavras, mas acho tão estranho, vê-los correndo atrás das pipas, disputando com as crianças, "cortando" os pequenos com cerol experimentado, de quem entende do assunto.

Talvez, quem sabe, haja além da falta de entendimento, uma curiosidade estranha sobre este poder masculino de continuar sempre brincando... Parece um papo feminista? Não sei. É que deixei de brincar de boneca há tanto tempo, que já nem me recordo quando. Fica difícil  imaginar a situação de ligar pra minha amiga, que anda tão ocupada com seus mil afazeres de sobrevivência e dizer: "Oi, Beth! Que tal vir aqui hoje, brincar um pouquinho de bonecas?" 

Nada contra pipas, sua beleza, sua arte e diversão. Absolutamente. Mas o fato é que a vida da mulher de hoje é tão repleta, que mal dá tempo de ir ao ginecologista, ao dentista, ao clínico geral!  Tem o trabalho, os afazeres domésticos (cozinhar, lavar, passar), os filhos, o dever de casa das crianças, a escola que chama pra conversar, os médicos dos filhos, a conta pra ser paga no banco, que as vezes até olhar no espelho precisa entrar na lista do cotidiano. O dia já começa agitado... Então, sei lá, voltar do trabalho, correndo pra encontrar meu filho, descer do ônibus lotado e dar de cara com homens, sem filhos, curtindo o entardecer, cortando a pipa de crianças que se divertem, sim, isso me incomoda.



Pode ser que alguém comente: E o que há de mau nisso? 
Eu respondo: Amo o colorido das pipas, e as crianças se divertindo, passeando com sua imaginação pelo céu. Mas, homem, passando cerol, cortando criança, colocando vidas em risco, desculpe, mas sim, me incomoda.

Lembrando: O cerol é uma arma. Cerol em linha de pipa mata! Brinque, não mate!
Vídeo do youtube sobre cerol: 



domingo, 1 de janeiro de 2012

Limites

Vivemos em limites.

Mas aprender quais são eles, é um aprendizado que dura toda a vida, com inúmeras reprovações e quem sabe sem sucesso.

Qual o limite da renúncia? Até onde nos permitir a passividade?

Como se mede a linha que divide a razão da emoção, de forma que a identidade não seja perdida?

Já fui reprovada nas questões do limite, pois alonguei esta linha por demais e quando me olhei no espelho, não fui capaz de reconhecer minha imagem. Permiti de tal forma, que minha essência se escondeu dando espaço para uma pessoa estranha, que usava meu corpo e forma, usava minha boca, e me fazia andar feito zumbi. Uma morta entre os vivos, tudo por questão dos limites que não respeitei.

Retornar, rever não é seguro. Confusão é sintoma , desequilíbrio é sintoma, alienação é sintoma de que algo está errado. No entanto, a falta de visão, olhos vendados são sintomas também e assim o mundo gira, tombamos sem ao menos ver o que acontece.

Como rever, e voltar?

Nas brincadeiras de criança, lembro do cabra cega, ou rabo do burro que consiste em tampar os olhos , e rodopiar a pessoa até que fique tonta e depois, ainda com olhos vendados, o participante precisa acertar o rabo do burro, ou pegar as crianças, que o rodeiam zombeteiras, rindo daquele que não tem noção do que lhe acontece ao redor.

Esta brincadeira pode ser exemplo para esses momentos de instabilidade, em que nos rodopiam enquanto nossa alma esta imersa na escuridão. Onde estou? Pra onde vou? Como vim parar aqui?
E como a criança que brinca, nos encontramos assim, mãos para frente, tentando apalpar algo que lhe pareça familiar, tentando achar qualquer coisa que lhe dê segurança. Um livro rasgado, sem começo, sem final. Encontro com o nada.

Acredito que o mais sensato, se é que a sensatez existe de fato, é simplesmente sentar. Quem sabe sentar, até mesmo deitar, deixar a escuridão se aquietar, até ser só o breu. Uma hora a solidão, a falta de parâmetros se agigantará, mas a tontura diminuirá e os olhos dolorosamente e lentamente voltarão a ver o que há ao redor.

A fase do desespero passará. Os olhos se abrirão, e não haverá crianças rindo. Não haverá reconhecimento local, mas a essência estará pronta para o retorno. Uma reconstituição de valores, amor. Mas é preciso mais força que se possa descrever para levantar.

Achas mesmo que os loucos nascem loucos, ou afrontados pelo medo de prosseguir, preferiram a tontura eterna? Não desejaram reconstituir, achar o caminho de volta, escolheram a eterna escuridão da alienação. Não julgo, porque as vezes a força evapora, some.

Para os que têm sorte, e corajosamente retomam as vidas perdidas, é essencial manter o alerta.  Ah, como seria bom se pudéssemos evitar as dores e prolongar as festas. Mas é no cotidiano que  com fé nos restabelecemos.

Erros, acertos nos constituem como pessoa. Que possamos aprender e reavaliar nossos limites. Entender melhor a fragilidade de nossa humanidade, aprofundar relações saudáveis, deitar na escuridão quando o mundo se torna terremoto e aquietar até que a mente sossegada permita viver.

Que com o tempo possamos nos tornar melhores no reconhecimento dos próprios limites, respeitar nossos sentimentos e valores, e acreditar mais no nosso instinto de preservação da alma.

Somos brisa que passa na história da humanidade, mas a brisa alegra as flores, encanta as manhãs , rega de amor os passeios à beira mar... Podemos também ser vento tempestuoso, furioso, capaz de derrubar vidas, cidades e mundos. A decisão dos limites, esta escolha ainda é nossa. Se não formos capazes de dirigirmos nossas escolhas, de brisa viramos tornado, sem perceber e arrebentamos nossa casa principal, o coração, guardador de toda vida.

Limites... Respeite o seu.



dois mil e doze

Quantos buracos cabem na alma?
O quanto nosso coração pode ser ultrapassado?
Porque não importa qual a data em que estamos, ou tempo que respeite nossa sobriedade,
Somos surpreendidos pelos rombos.
A dor é física, real, machuca...
Não há a quem culpar.
E não tenho  terapeutas de plantão.
Mais uma vez sou obrigada a manter esse nó grosso que entala na minha garganta
E sufoca minha respiração.
Mais uma vez, recorro as palavras para me trazerem algum consolo.
A vida é um acúmulo de perdas, apesar dos ganhos.
É preciso enumerar as graças, para que as desgraças não sobressaiam.
Hoje foi um dia peculiarmente difícil, apesar da data festiva.
Nos detalhes que minha memória reconstitui, só vejo
 um imenso buraco no peito , que entrou rasgando a pele,e
se aprofundando carne a dentro.
Não há dor que o tempo não cure, dando espaço para novas alegrias e dores.
No momento, meu coração bate na boca por constatar que sou frágil
Apesar de precisar ser forte.
Me assusta essa vida de surpresas, que nos tira o chão e desequilibra.
Dias como esse, me lembram a infância, quando me apavorava o poder dos trovões, e me escondia nos braços de meus pais.  Hoje choveu forte na minha vida, com muitos raios e trovões, e estou assustada .
Levarei mais este buraco.
Tamparei com a peneira até que pare de doer.
Escrever alivia essa  tristeza.
Mais sorte, mais alegria, paz e bonança em 2012.
(escrito às 1:20 de 01/01/2012)